Diz a lenda que num tempo distante havia uma linda Anja, de longos cabelos negros e com uma bonita luz, que emanava de suas vestes azuis. Estava sempre acompanhada de seu cavalo, tão branco como os flocos de neve. Este possuía entre seus olhos um lindo chifre dourado, ­apontando o caminho – como só os cavalos dos seres elevados possuem, também chamados de Unicórnios.

Esta Anja possuía também lindas e enormes asas. Estas, porém, não eram asas comuns. Eram asas de pedra, e como tal, pesavam bastante para a delicada Anja. Por este motivo, a Anja habituara-­se a andar sempre em seu cavalo, de forma a suportar tão pesadas asas.

Um dia, caminhando por uma planície de verdes campos, a Anja avistou um grande portal dourado. Deste portal emanava uma luz tão intensa, que não a permitia ver nada além. Curiosa, adentrou pelo portal, e viu­-se então em meio a um grande jardim, diferente de tudo aquilo que conhecia. Eram plantas e flores das mais variadas espécies, nenhuma encontrada no vale em que habitava. Possuíam um brilho fosforescente que não existia em seu mundo, e algumas cores eram tão diferentes que nem poderiam ser nomeadas. Seus riachos possuíam as 07 cores do arco­-íris. O céu dividia-­se em diversas faixas, contendo as cores desde o alvorecer até o pôr do sol, como histórias de um dia eterno, todas reunidas ao mesmo tempo.

No centro deste belo jardim, havia uma árvore. Não era uma árvore incomum, quanto ao seu aspecto, mas com uma altura que desafiaria o mais exímio escalador. Era grande, frondosa, e em seu galho mais alto e distante, brilhava um único fruto. Difícil explicar em palavras a beleza deste fruto, que mudava de cor de acordo com o sentimento de quem o olhava. Era da cor Rosa, quando a Anja o olhava com Amor; Verde, se olhado com Esperança; e Azul, uma vez olhado com Serenidade. E mudaria sua cor para o violeta, se olhado com Fé; e para o Amarelo, se o sentimento fosse de Alegria. E assim era o fruto, que ganhava sua cor de acordo com o olhar da Anja.

E a Anja, hipnotizada por fruto tão especial, esqueceu-­se do peso de suas asas de pedra, e desmontou de seu cavalo. Esqueceu­-se que mal conseguia andar, e aproximou-se da árvore. Colocou suas mãos no tronco e iniciou a escalada da árvore. E lentamente, sem nada mais pensar, começou a subir, e a subir, e a subir… E então começou a sentir suas asas pesarem, mais e mais, e já não sabia o que era mais forte: o peso da dor, ou a beleza do fruto. Mas o fruto estava cada vez mais perto, e o chão cada vez mais longe. E a Anja continuou, sofrida, com dores, sentindo todo o peso do mundo em suas costas.

Cada movimento aumentava a dor, e a Anja já não conseguia mais pensar em nada, apenas em terminar aquela tarefa. Já não via mais a beleza, e o fruto que procurava tornou­-se preto, pois esta é a cor daqueles que não vêem nada além da dor. Então, exausta­ e tão sem cor quanto o fruto, esticou­-se e num esforço último, alcançou o fruto mágico. E naquele momento, segurando-o firme em ambas as mãos, exausta e sem forças para reagir, começou a cair lentamente… daquela altura de quem sonhou mais alto do que era sensato.

Sua queda pôde ser ouvida além do jardim, além do portal, além daquele mundo. E ao atingir o chão, foi como se uma grande tempestade de areia subisse, e todo o solo rachasse, e ouviu­-se o barulho de um universo inteiro despedaçando-­se.

E pouco a pouco, a poeira baixou, o som silenciou, e o mundo aguardou. E para surpresa de todos, a Anja ainda estava lá. E diz a lenda que ao seu redor jaziam os cacos de suas asas de pedra. E do meio da poeira, a Anja levantou-­se, abrindo então suas enormes asas, agora toda de penas, e deixando cair os poucos pedaços de pedra que sobraram.

Aqueles que a conhecem, dizem que a Anja até hoje visita o jardim. Não mais à cavalo e sim voando, com suas lindas e leves asas de pena. E oferece o fruto mágico à todos que, como ela, ousarem buscá­-lo.